quarta-feira, abril 07, 2010

Bully Machado


"I'm standing here; you make the move. You make the move. It's your move... " (Travis Bickle)


Falam muito de bullying hoje em dia. Como se o bullying tivesse nascido ontem. Nada mais falso. O bullying já vem de longe. E o futebol português é disso testemunha. Gajos duros, inflexíveis, nascidos e criados à chapada e pontapé, não conhecendo outra lei que não o kick-and-kick-and-then-maybe-rush. Bigodes rebeldes e cabeleiras indomáveis em equipamentos rasgados e sem marca, manchados com suor e sangue. Crianças desdentadas que foram futebolisticamente educadas em baldios com dois bidões a arder a servir de baliza e que faziam uso e abuso de uma fisga entalada nos calções. Jogadores ríspidos com um férreo código deontológico de porrada. A beleza de uma cabeçada falhada na bola e acertada no cocoruto do oponente. A fluidez de palavrões a sair por entre o cuspo a toda a hora. O prazer de partir caneleiras só com o hálito. O fascínio pelo carrinho destemperado feito de olhos fechados. Coisas bonitas que raramente vêm nos jornais.


Temos apresentado ao longo dos tempos múltiplos exemplos destes jogadores box-to-hospital. Ainda faltava homenagear essa formiguinha batalhadora dos relvados, esse animal de campo cuja energia, por vezes demasiado faiscante, jamais parecia findar. Quim Machado era o seu nome. Haverá bullies de igual ou superior reputação, é discutível - Binya, por exemplo, jogava num campeonato à parte neste capítulo e Paulinho Santos atingiu um patamar lendário, construindo uma reputação mais resistente ao tempo que a biodegradação do plástico. Mas Quim Machado, o generoso Quim Machado, ainda não tinha merecido as nossas honras. Talvez por medo de retaliação. Mas hoje enchemos o peito e denunciamo-lo sem receio de represálias.


Quim era um Machado em forma de jogador da bola. Cortava tudo a eito. Era um híbrido: 50% lenhador, 50% futebolista e 10% mau aluno a matemática. Curiosamente, homónimo de outro Quim, o Berto, que não teve alternativa senão ficar com o Berto, após uma discussão acesa com este Quim, o Machado – mentira, levou logo um sopapo mal se pôs em bicos de pé e nem sequer chegou a haver discussão. Quim Berto referiu-nos em off “Eu sentia medo quando ia para os treinos… (pausa) Tremia quando chegava a casa, o estômago andava às voltas, tinha suores frios só de pensar em encontrar o Quim Machado à minha espera no balneário (bebe água)… Ele, uma vez, entalou-me a cabeça numa janela da Torre de Belém durante uma viagem, supostamente de descompressão, ao Portugal dos Pequeninos e fui gozado por uma turma da 4ª classe uma tarde inteira… Um pesadelo…Bater livres era o único escape para mim… Foram tempos difíceis… Não quero mais falar, ele pode estar a ouvir. Especialmente se estivermos em off. Estamos em off? Oh, c’um caraças!, estou f…(desligou)”


Com as melenas ao vento e de dentes cerrados, Quim Machado estava longe de ser um quequinho esquisito com manias de “não-me-toques”. Em praticamente qualquer posição do campo era capaz de intimidar. Os seus treinadores apreciavam-no. Os seus adversários ora zombavam, ora tremiam. Mas Quim Machado deixou uma escola, qual Sócrates (que não José), na qual qualquer rude Flávio Meireles aprendeu a cabular. Luís Freitas Lobo, o special-one da poesia futebolística, caracterizou Quim Machado como “um jogador mais preocupado nas transições defensivas, com um forte pendor físico, inicialmente um nº6 à moda antiga, um polivalente com espírito de sacrifício, que também podia jogar a nº8 e que desenvolveu uma carreira profícua como lateral-direito. Voluntarioso mas de reduzida capacidade técnica, era pouco propenso ao desequilíbrio. Extremamente útil em equipas medianas, era forte a cortar linhas de passe e não só. Não enchia o olho, não era jogador que deslumbrasse, não sabia improvisar com a bola nos pés”. E, dito isto, levou com uma bolada nos dentes do próprio Quim Machado, que poucos consideraram involuntária.


Nascido na terra dos jesuítas, cedo se percebeu que Quim Machado estaria destinado para pregar a sua palavra por muitas paragens e em muitos adversários. Normalmente, ficava só duas temporadas no mesmo sítio – a primeira para apalpar terreno e a segunda para vandalizar de tal forma que o seu adeus se tornava inevitável. Começou em casa, em Santo Tirso, que se tornou rapidamente golpeada pela sua lâmina afiada. E então deu início ao périplo, saltando para o Sp. Braga. Na terra dos arcebispos cometeu heresias da pior espécie. Fez uma curta viagem até Guimarães. Escandalizou mentes sensíveis e deixou o pouco impressionável Dane danado da vida. O Minho era pequeno demais para as suas diatribes e, volvidos dois anos, arribou à Amadora. Sentiu-se peixe na água nos subúrbios, fez miséria nos comboios e nos caixotes a que chamam “prédios de habitação”, aterrorizou uma cidade já de si pouco pacata. Birame ficou boquiaberto, Mazo fez das tripas coração para sobreviver e Chainho ganhou um amigo. Bateu com o que restava da porta e rumou até Chaves, espalhando a sua religião a indivíduos do calibre de Parfait N’Dong, Toninho Cruz e, por que não dizê-lo?, todo o resto deste galáctico plantel. Em notória curva descendente, fez ainda breves incursões por Varzim, Campomaiorense, Maia e Desp. Aves e chegou mesmo a internacionalizar o seu jeito pelo grandíssimo Dudelange, onde ficou conhecido pelo “terrible portugais”, e não apenas pela sua forma arcaica de ir à linha de fundo cruzar bolas, ou lá o que era aquilo. Hoje treina, com relativo sucesso, o “seu” Tirsense.
No currículo de Machado apenas uma grande mancha: não, não era a internacionalização que não fugiu a Vado, que isso era pedir demais; foi a falta de um bigode viril, condizente com o seu carisma, e, porque não dizê-lo, com o próprio nome Quim. Mas agora cá está ele, Quim: cá está um excelso bigode só para ti. Já não tens motivos para nos fazeres mal.

2 comentários:

Anónimo disse...

quem dera a muita gente ser como quim machado....o treinador exemplo se nao fosse quim machado o tirsense nao estva tao bem colocado como esta quem fala assim tem é raiva...mas ainda vai ter um grandioso lugar num clube grandioso....

Anónimo disse...

http://dn.sapo.pt/inicio/interior.aspx?content_id=1173379

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